A ciência chora a morte de Aziz
Cientistas e acadêmicos se emocionam ao lamentar a morte de Aziz Ab'Saber, geógrafo considerado um cientista ético, intelectual e humanista. Ab'Saber faleceu na última sexta-feira (16), em sua casa, em São Paulo.
Com engajamento político, as últimas principais lutas do intelectual foram contra a transposição do Rio São Francisco e contra o andamento da proposta do novo Código Florestal, em tramitação no Congresso Nacional. Considerando o texto limitado diante da extensão territorial do Brasil, Ab'Saber disse ao Jornal da Ciência, em meados de dezembro último, que o País precisa de um código da biodiversidade capaz de proteger todas as espécies animais e vegetais e todos os biomas brasileiros.
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, destaca que a posição ética e humanitária de Ab'Saber são suas características marcantes. "A ciência brasileira chora a ausência do grande professor Aziz, humanista e cientista, sempre presente na nossa história, sempre lutando pelos valores da ética e da moral; sempre disponível para todas as pessoas, especialmente para os jovens", lamenta Helena, também professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Na mesma linha, o vice-presidente da SBPC, Ennio Candotti, considera Ab'Saber um instrutor. "Mestre e maestro, a orquestra tocará mesmo sem você. Aprendemos e não esquecemos a bibliografia Aziz. Leve lembranças boas da SBPC ao Albertino Rodrigues, ele como nós [tristes] gostamos muito de você... sei que você o encontrará em breve", disse Candotti, também professor da Universidade do Estado do Amazonas e diretor geral do Museu da Amazônia, lembrando de José Albertino Rodrigues, vice-presidente da SBPC, ex-aluno de Ab'Saber e que morreu de forma trágica em meados de 1990.
Marca do Código da Biodiversidade - A Academia Brasileira de Ciências (ABC) também manifesta os sentimentos da diretoria pela perda de Ab'Saber. "Além de ser um geógrafo com referência internacional na contribuição para a área de pesquisa, Ab'Saber foi um cidadão com papel político de grande relevância, defendendo, por exemplo, um Código da Biodiversidade da Amazônia. Sem dúvidas, é uma perda muito grande tanto para a área científica quanto para o País como um todo. Ele foi uma figura pertinente que defendeu ideias importantes, como o Código da Biodiversidade", destaca o diretor da ABC, Luiz Davidovich, físico da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ).
O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Marco Antonio Raupp, concorda que a ciência brasileira perde um de seus mais expressivos representantes. "O lamento pela morte de Aziz equivale ao privilégio de ter podido conviver e partilhar com ele momentos e situações importantes para a construção da vida científica brasileira", disse Raupp, ex-presidente da SBPC.
Para Raupp, Ab'Saber "era dono de uma lucidez irrequieta e de uma formidável capacidade de lançar ideias muito à frente do senso comum, e também desafiadoras e provocantes até mesmo para o melhor pensamento estabelecido".
O ministro destaca como "bom exemplo" das características de Ab'Saber o posicionamento nas recentes discussões do novo Código Florestal, "não para repetir clichês ou acentuar antagonismos", mas sim para propor a criação de um Código da Biodiversidade, avanço que um dia o Brasil "certamente consolidará".
"Em razão da oportunidade de seus estudos, da acuidade de suas ideias, da extensão de sua obra e da longevidade de sua vida profissional, Aziz Ab'Saber já fazia parte da história intelectual brasileira há muitos anos. Agora ele entra para a eternidade, mas seu legado de centenas de trabalhos continuará a nos guiar pelos caminhos que conheceu como poucos, como os da geografia, da ecologia, da biologia evolutiva, da geologia e da arqueologia", disse Raupp em nota, publicada no site do MCTI.
Leituras Indispensáveis - A notícia sobre o falecimento de Ab'Saber foi dada aos cientistas reunidos na manhã da última sexta-feira (16) na unidade da SBPC, em São Paulo, quando discutiam temas sobre a 64ª Reunião Anual da SBPC, que ocorrerá em julho no Maranhão. Um dos pontos da pauta era justamente sobre Ab'Saber que vinha trabalhando arduamente para lançar, nesse evento, a terceira edição do livro da coleção "Leituras Indispensáveis". A obra será publicada pela SBPC, diferentemente das duas primeiras edições que foram publicadas pela Ateliê Editora.
Defensor da difusão social da ciência nessa última publicação o intelectual recusou o pedido da Ateliê Editora de publicar a obra no formato digital. Na opinião de Ab'Saber, essa iniciativa dificultaria o acesso das pessoas ao conteúdo.
Ao destacar que o livro será lançado na 64ª Reunião Anual da SBPC para atender ao desejo de Ab'Saber, a secretária-geral da SBPC, Rute Andrade, diz que o professor deixa um enorme legado na área científica. Rute lamenta também a morte de César Ades, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Ades faleceu na mesma semana, aos 69 anos, devido a traumatismos ocasionados por um atropelamento na Avenida Paulista.
"A minha tristeza se concentra no fato de estarmos perdendo cientistas, principalmente humanistas. Ou seja, pessoas que fazem ciência da forma que tem de ser feita [usando o conhecimento para trazer o bem-estar para as pessoas]. Hoje temos poucos [cientistas humanistas], mas acreditamos que o vazio que essas pessoas nos deixam desperte para que outros possam ser como eles", sublinha Rute, bióloga e pesquisadora do Instituto Butantan e ex-aluna de pós-graduação de Ab'Saber.
Segundo a secretária-geral da SBPC, pelo projeto discutido com Ab'Saber, o próximo livro do intelectual será publicado, pela primeira vez também em braile para atingir um número maior de leitores.
Nos livros da coleção "Leituras Indispensáveis", Ab'Saber busca respostas para as dúvidas de estudantes. "Busco colocar em meus livros tudo que os alunos não sabem responder em sala de aula [assim eles ficam sabendo]", disse Ab'Saber, em uma conversa rápida com o Jornal da Ciência em dezembro último. Na coleção, Ab'Saber publica textos desconhecidos e de divulgação inédita de grandes nomes da geografia, por exemplo, por considerá-los importantes para a formação humana.
A conquista de jovens - Não teve facebook e nem aderiu às redes sociais, mas Ab'Saber conseguiu conquistar uma legião de jovens, destaca Soraya Smaili, professora livre docente da farmacologia da Unifesp. "A síntese de Aziz é a força do exemplo. Muitas vezes ele não precisava dizer nada, só a presença dele, a trajetória dele, o exemplo dele são tão fortes que as pessoas o seguiam", disse. "Ele lutou pelo melhor mundo e pelos justos", complementa Soraya, que ao longo dos anos construiu uma forte ligação com o intelectual. A presidente da SBPC concorda. "Ele foi um grande aliciador de jovens para a ciência, à educação e à ética", complementa Helena.
Segundo recorda Soraya, mesmo sem perfil nas redes sociais as palestras "de Aziz" eram superlotadas com a presença de jovens. "Aziz tinha um coração enorme, acolhedor, agregador. Nunca o vi dirigir palavras de maltrato a qualquer pessoa, de autoritarismo", declarou ela ao descrever o intelectual. Uma das preocupações de Aziz, segundo Soraya, era com a biblioteca que ele construiu em sua trajetória de vida, calculada nos últimos anos em cerca de nove mil títulos.
(Viviane Monteiro - Jornal da Ciência)
Nenhum comentário:
Postar um comentário